outubro 17, 2019
Neurocirurgia pediátrica: um bate-papo com o especialista
O neurocirurgião João Ricardo Penteado tira as principais dúvidas a respeito da neurocirurgia pediátrica e conta por que escolheu essa área
A neurocirurgia pediátrica é uma especialidade neurocirúrgica que trata de doenças neurológicas congênitas e adquiridas na infância. Um especialistas no assunto é o doutor João Ricardo Penteado, que além de atender em seu consultório particular, é um dos cirurgiões do Instituto do Cérebro, no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, Penteado tira as principais dúvidas a respeito da sua área de atuação e fala sobre os principais problemas tratados pela neurocirurgia pediátrica.
O que te levou a optar por neurocirurgia pediátrica?
Quando trabalhei em plantão de emergência passei a ter contato com a neurocirurgia e acabei gostando. E tive um mentor também, que me inspirou a seguir pela área pediátrica, que é o Dr. Gabriel Mufarrej, que é meu chefe hoje no hospital Instituto do Cérebro. Quando foi fundado o Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer em 2013, eu era residente da Santa Casa, de onde todos os residentes saíram para a instituição. Fui do primeiro grupo de residentes formados lá, e passei os três últimos anos da minha residência praticamente dedicados a neurocirurgia infantil e neurocirurgia da epilepsia no Instituto do Cérebro. Ao todo, tenho sete anos nessa área.
Quantos pacientes você opera por semana no instituto?
De um a dois. Fora as cirurgias em hospitais particulares.
Quais são os principais problemas que a neurocirurgia pediátrica trata?
Os principais problemas que tratamos são a hidrocefalia, disparada a de maior volume de intervenções. Em segundo lugar são os tumores no cérebro.
O que é a hidrocefalia?
Hidrocefalia é o acúmulo de líquidos dentro do cérebro. Nessa região, você tem como se fosse uma caixinha d’água. O aumento da pressão dessa água dentro da cabeça pode ser fatal. Isso é a doença de maior volume na neurocirurgia pediátrica.
O que leva a esse quadro?
Existem vários motivos, por má-formação, tumor ou alguma hemorragia. Na criança, especificamente, é mais frequente por alguma má formação.
Nesse caso, isso ocorre normalmente em bebês ou pode ser em qualquer idade?
Pode acontecer em qualquer idade. Mas normalmente, em bebês é congênito. É muito frequente ser associado a uma outra má formação, a espinha bífida. Associada a tumor, é mais frequente em crianças mais velhas.
Quando o bebê já nasceu, quais são os sintomas que podem levar um médico a suspeitar de hidrocefalia?
Depende de diversos fatores, inclusive da idade. Em bebês muito pequenos e em recém- nascidos, a primeira desconfiança é o aumento do perímetro encefálico. Outras situações são problemas para respirar, paradas respiratórias e redução da mobilidade do olho. Normalmente em bebês recém-nascidos, o diagnóstico é feito nos ultrassons obstétricos, antes do nascimento. Em crianças maiores, você vê por algum atraso no desenvolvimento, dores de cabeça, vômitos e alteração do equilíbrio, dependendo da idade.
E como é a confirmação de que o bebê ou a criança tem hidrocefalia?
Nas crianças mais novas, quando ainda têm a fontanela aberta – popularmente conhecida como moleira -, é o ultrassom. Depois dos sete, oito meses, o exame de escolha é a ressonância.
Como é o processo de descoberta disso dentro da família? A criança quando está começando a falar e sente dores de cabeça, por exemplo, ela não sabe comunicar direito o que está sentindo.
Geralmente o pediatra é capaz de fazer esse diagnóstico. Na maior parte das vezes, a criança já chega para o neurocirurgião pediátrico diagnosticada pelo pediatra. Porque este é o primeiro médico que o paciente vai procurar. Às vezes, se não for o pediatra é o neurologista ou neuropediatra.
E aí, o que o pediatra faz quando os pais descrevem os sintomas do filho?
Normalmente, o pediatra detecta alguma coisa fora do normal, como atraso no desenvolvimento ou dores de cabeça e pede a ressonância. Aí ele descobre alguma lesão e encaminha para o neurocirurgião.
E nesse caso, o tratamento?
O tratamento indicado é a cirurgia quando existe algo a ser removido ou corrigido. Normalmente o que você vai remover ou corrigir é um tumor ou a má formação. No caso da hidrocefalia, você vai restabelecer o fluxo do líquido. No caso de má formação, corrigimos quando houver consequências, como crises convulsivas por exemplo. Normalmente, as más formações que não causam nada não são operadas.
Além do cérebro, com o que mais a neurocirurgia pediátrica trata?
A segunda parte do meu trabalho são as doenças medulares. São o que conhecemos como disrafismos. Nesse caso, operamos aquilo que afeta a parte motora do paciente. Além disso, a neurocirurgia trata os nervos periféricos. Mas doenças de nervos periféricos são menos comuns em crianças.
Quanto tempo em média são essas cirurgias?
Depende. Tem cirurgia de endoscopia, que dura 40 minutos. É muito rápida. Já uma cirurgia de epilepsia pode durar quatro ou cinco horas. E uma cirurgia de tumor pode durar até 12 horas. E tem as cirurgias fetais também, que fazemos junto com o obstetra. Essas duram em média de quatro a cinco horas.
Quais são os hospitais que fazem esse tipo de cirurgia?
Pelo SUS, tem o Instituto do Cérebro, onde trabalho. Mas nesse caso, o paciente entra via regulação, não é o pediatra de consultório que vai mandar para lá. Quem vai mandar o paciente para o SUS é o médico lá na Clínica da Família ou o hospital que recebe o paciente na emergência.
Então o SUS recebe pacientes de urgência ou da Clínica da Família…
Sim. O pediatra que tá na Clínica da Família percebeu alguma coisa um fora do normal, fez o diagnóstico, exames, aí ele faz um guia de referência. A própria clínica da família referencia pro ambulatório do instituto, eles são atendidos por uma neurocirurgiã. Levamos os casos para uma reunião clínica aí o caso, quando tem necessidade de cirurgia, vai para uma fila. Chamamos e operamos depois.
E no seu consultório particular, como é a jornada do paciente?
Em uma primeira consulta, se não houver diagnóstico já feito, avalia-se o paciente e pede-se os exames necessários de acordo com o caso. Quando temos os exames necessários, uma vez identificada alguma oriento sobre esse diagnóstico. Depois decido se é ou não cirúrgico. Se tem que acompanhar ou não.
Quais os principais casos que você atende em seu consultório?
Meu maior volume de pacientes atualmente vem da intervenção fetal para mielomenigocele, ou seja, no útero da mãe.
Qual é o diagnóstico que leva a cirurgia fetal? A partir de quantas semanas de gravidez é possível fazer uma cirurgia fetal?
É a espinha bífida. Podemos operar com 19 a 26 semanas de gestação. Com essa intervenção, você consegue reduzir muito as sequelas, que são a própria hidrocefalia, déficit motor, urinário, entre outras coisas.
Então com essa intervenção você consegue melhorar a qualidade de vida dessa criança?
Diminui muito a limitação funcional dessas crianças.
Quais são as chances de sucesso neurocirurgias pediátricas em geral?
No caso de tumor, depende do tipo. A maioria dos tumores de criança é do tipo astrocitoma pilocítico. É o tumor benigno. Mas existem tumores com prognósticos muito ruins. No caso da hidrocefalia, normalmente é uma doença benigna. Tratando, fica tudo bem.
E quais são as complicações possíveis?
Normalmente, o maior problema da hidrocefalia são as complicações da válvula e uma possível demora no diagnóstico de disfunção do equipamento. Por exemplo, é frequente a válvula para de funcionar, numa criança que coloca a válvula muito pequena, e os sintomas não ficam muito claros. Isso pode até gerar cegueira.
Ou seja, o acompanhamento é imprescindível…
O acompanhamento e o acesso rápido ao cirurgião.
Qual o tempo entre a consulta contigo e obter um diagnóstico preciso?
Uma ressonância, por exemplo, demora uns cinco dias. Nesse período, há uma ansiedade muito grande dos pais e o neurocirurgião acaba também tendo esse papel de tranquilizá-los e dar as informações mais precisas possíveis.